Farol

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Aviso aos navegantes

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Travessia

ao meu irmão Alberto Daflon,filho


Enchente pós-chuva, na pulsante e ávida enchente;
menino, sim, era menino, e quis a travessia.

O rio sem margens, que comia grama, era o rio
barrento da roça de caminho barrento,
onde queria entrar sem saber para ir onde.

Os pés do primo e do irmão – o rio lambia-lhes os pés –;
meus pés buscavam a margem submersa; em meus pés
passos, com água às canelas, continuavam passos.

Surdo aos gritos, de pare! Pare! Pare! Continuava surdo.

Cobra, o rio me hipnotizava, como à rã hipnotiza a cobra.
Redemoinho, a cobra se contraía no redemoinho.
Submerso, caíra enroscado junto à margem do rio submerso.

Corpo sem reação, decidida cobra me apertava o corpo.
Embora, no fundo, no fundo, o rio quisesse me levar embora,
cobra me queria morto, na fome da sua fome de cobra.

Desenroscado o braço, levantei-o do corpo franzino enroscado.
Pelo punho meu irmão arrancou-me do redemoinho.

Na enchente pós-chuva, na pulsante e ávida enchente.
Menino, sim, era menino; e ainda hoje é cedo para travessia.

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